Ele há guerras estranhas. E começam de muitas maneiras e lutam-se de muitas maneiras. Aqui há uns anos (em ’69 salvo erro) houve uma guerrinha curta entre o El Salvador e Honduras que começou por causa do resultado de um jogo de futebol. Escusado será dizer que ficou conhecida como a Guerra do Futebol.
Agora, na semana passada começou outro tipo de conflito que não se vê todos os dias: uma ciber-guerra iniciada pelo grupo auto-intitulado de Anonymous contra a Igreja de Cientologia. À primeira vista, não parece que seja mais do que um monte de hackers sem mais nada para fazer senão fazer alguns estragos num alvo fácil, mas se olharmos mais de perto nota-se que se trata de um fenómeno sociológico interessantíssimo. Trata-se de uma rede de indivíduos espalhados por todo o mundo unidos por um objectivo comum que é expulsar a Cientologia da Internet e tornar públicas quaisquer ilegalidades que esta tenha cometido, maioritariamente entre elas a evasão ao fisco, a morte por negligência e a perseguição sem tréguas de quaisquer detractores.
Para entender o porquê de se estar a agir desta forma contra a Igreja da Cientologia é preciso ter em vista de que tipo de organização se trata. Lembram-se da reportagem da BBC sobre a Cientologia que fizeram no ano passado? Vale a pena ver. Só para ter uma ideia do que se trata.
Os Anonymous também não são pêra doce, não se enganem. São responsáveis por vários tipos de ciber-vandalismo e chamadas telefónicas ameaçadoras. Por outro lado, por causa de alguns membros do Anonymous, já foi preso um pedófilo. Nada mau para um monte de hackers.
Esta guerra dos Anonymous contra a Cientologia, conhecida como Project Chanology, começou por causa de um vídeo do Tom Cruise que a “Igreja” tentou abafar porque… epá porque o Tom virou dos carretos. Por mais que tentam proibir que o vídeo apareça na Net, ele volta a surgir. Nem vale a pena tentarem. Depois de sair cá para fora não há nada a fazer. Não é a primeira vez que a Cientologia tenta censurar a Internet. A primeira vez foi há muito, muito tempo na altura da Usenet. Os gajos da Usenet também não se deixaram ir abaixo.
No passado dia 21 os Anonymous fizeram uma declaração oficial de intenções e imediatamente o site oficial da Igreja da Cientologia e outros sites relacionados foram abaixo. A “Igreja” mudou o site para um servidor especializado em deter ataques de Denial of Service mas continua a ir abaixo a intervalos regulares.
Os cientólogos ameaçam com processos. Processar quem? Dez em cada milhão de pessoas? Sim, milhão. É que Anonymous agora tem um fórum público e publicitam as suas formas de ataque. São aos milhares as pessoas que ajudam a criar o caos. Dão links para software de mailbombers, disponibilizaram os URL’s e as moradas de todas as representantes da “Igreja” pelo mundo fora, dão dicas sobre a melhor forma de perturbar o bom funcionamento do seu alvo. E estão a organizar uma demonstração pública marcada para o dia 10 de Fevereiro. O virtual passa ao real.
O que me fascina no meio disto tudo é o facto de a operação toda se tratar de um exemplo perfeito de resistência sem líderes. Ninguém é directamente responsável pelo que outra pessoa faz e ninguém sabe quem faz o quê nem de quem foi a ideia de se fazer isto ou aquilo. Se alguém se lembra de fazer uma sugestão fá-la e qualquer pessoa, independentemente do seu grau de conhecimentos de informática, pode tomar a iniciativa. Cada pessoa é uma célula independente que age por sua conta e, quando agem em grandes números, conseguem grandes resultados. É a acção directa ao seu melhor (ou pior?) nível. Durante quanto tempo vai isto durar? Não faço ideia, mas acho suficientemente interessante para me manter atento ao que vai acontecendo. Parece-me que vão ser escritos muitas teses de sociologia e cibercultura sobre isto.