sábado, 19 de abril de 2008

Eufemicídio

Porque hoje me apeteceu finalmente falar de línguas e coisas afins.

magritte-the-lovers

René Magritte - Les Amants

Eufemismo:

do Grego euphemismós (ευφημισμος) 1 > eu (ευ), bem + pheme (φήμη), discurso / fala



Trata-se portanto do "acto de suavizar a expressão de uma ideia, substituindo a palavra própria por outra mais agradável, mais polida", segundo diz o nosso amigo dicionário Priberam. Por outras palavras, é florear uma expressão de modo a minorar a sua crueza, dureza, frieza (e outras coizesas) e torná-la mais bonitinha.


O problema é que as palavras, não obstante todo o poder que têm, não alteram a realidade. Assim, não só não se torna nada mais bonito (porque realidades feias não se compadecem com figuras de estilo) como se confunde o interlocutor com uma expressão ambígua, confusa e que transmite a ideia de que se está a esconder algo atrás das costas.


A ideia inicial por trás do eufemismo era evitar usar palavras que

a) por terem associadas figuras poderosas não deveriam ser proferidas abertamente. Daí que os Gregos (sempre eles, sempre eles...), quando se queriam referir ao deus Hades (senhor do sub-mundo), dissessem Plutous 2, significando riqueza - já que os minerais vêm das profundezas da Terra.

b) causem atentados ao pudor. As crianças aprendem a "fazer cocó" e "dar tau-tau", não a defecar e dar uma carga de porrada, rspectivamente.


A situação que me irrita é o uso abusivo e estupidificante desta figura de estilo. Nos últimos anos, e em grande parte devido aos políticos e à comunicação social, circulam livremente expressões que, longe da sua função inicial de suavizar conteúdos ásperos, são simplesmente... Bom, estúpidas.


Devido a esta corrida ao pó-de-arroz linguístico hoje já não se pode morrer de cancro, apenas de doença prolongada; tão-pouco há guerras e refugiados - o Mundo de hoje apenas padece de males menores como conflitos armados e deslocados.

Uma empresa não despede trabalhadores, faz downsizings que afectam os seus colaboradores; não se fazem noitadas no trabalho, hoje são overtimes, tão mais agradáveis na sua assepcia anglo-saxónica.

As crianças já não são evidentemente mal-criadas (que saudades desta expressão!); hoje dissimulamos má educação com hiperactividade e défice de atenção (que, sendo doenças reais, são usadas como panaceia vocabular para desculpar tudo o que é canalha mal-criada).

Já não se pode ser cego nem surdo, é obrigatório ser invisual e deficiente auditivo - noblesse oblige.

E esta última expressão deve ter os dias contados, visto que nas nossas escolas desapareceram as crianças com deficiência, transformando-se em belas crianças com necessidades educativas especiais. E com elas foi-se a profissão de contínuo, substituída pelos moderníssimos auxiliares de acção educativa.


À falta de bom remate para este texto que já vai longo, fica isto, que tanto me apetece dizer a todos esses cirurgiões plásticos da língua: eufemizem-mos!


1) Ou algo assim. Tenho demasiada preguiça para ir rever o alfabeto grego por isso vai de memória. :P

2) Ρλυτους? Ρλωτοως? Enfim, vou parar de gastar tempo com pormenores que tenho o Anti-Vilão a fazer piscar violentamente a janela do Messenger a implorar-me para irmos comer.

5 comentários:

Anti-Villain disse...

Sofro de défice alimentar aguda >_<

Jan disse...

Lol! Can haz beenburgah?

Anti-Villain disse...

De friez! De friez!

Nimue disse...

Está tudo dito ;)

Ah zee fries wizz tomatoe zauce!!Und muzztard!

Anónimo disse...

Dude, este discurso das expressões já é velhote. Acho que recebi um daqueles e-mails em cadeia com isso. Anyway, por aqui o eufemismo é social - todos os males de itália agora são culpa dos romenos, aos quais insistem em continuar a chamar extra-comunitários.
Ai... que soninho...
è verdade, curtiste o meu "guernica"? :D